quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Pura Alma Brasileira

Já se passaram 517 anos desde que os europeus pisaram em terras tupiniquins e as pessoas ainda se espantam ao verem um indígena. 
Normal até certo ponto pois não é comum trabalhar, estudar, conviver com este povo. Mas também não deveria ser objeto de espanto, haja vista que são nossos ancestrais ainda vivos e habitantes de nosso país.
O grande dilema se forma a partir do momento em que os índios vivem tão afastados, não por escolha própria, mas pela necessidade de sobrevivência cultural. 
Quando se conversa com um indígena logo percebe-se isso, a necessidade vital de preservação da cultura. Foi dessa forma que senti quando conversei pela primeira vez com Ysani Kalapalo. Vocês já devem ter ouvido falar dessa xinguana tão querida e visionária.
Ysani Aweti Kalapalo chegou em São Carlos no interior paulista aos 12 anos de idade, inicialmente para cuidar de sua saúde. Acabou ficando pois sempre quis estudar e aprender outras culturas. Foi com o apoio de um amigo de seu pai, Kunué Kalapalo, que o sonho de Ysani se concretizou.
A indígena conta que foi um começo bem difícil, tudo era muito novo e as dificuldades eram frequentes. Seu lugar de origem é uma aldeia Kalapalo no Alto Xingu em Mato Grosso, que tem em torno de mil habitantes.




Aos 26 anos, a xinguana, formada em mídias digitais, palestrante, CEO e fundadora do MIA - Movimento Indígenas em Ação, tem sido muito requisitada para eventos onde procura disseminar um pouco de sua cultura.






Foram várias conversas e assunto não faltou pois a paixão em falar de si e do seu povo é muito grande.
De riso fácil, Ysani respondeu a todas as perguntas com muita serenidade. Curtindo férias com a família falou sobre sua trajetória e sonhos para o futuro.

O que você trouxe de sua cultura para a sociedade dos brancos e o que leva daqui para a sua aldeia? Talvez seja a maneira como eu lido com as coisas, como equilibro minhas emoções, como lido com a vida. Na minha cultura aprendemos a lidar com coisas de adultos muito cedo, a sermos independentes cedo demais. Também trouxe uma maneira de olhar diferente, mais espiritual.
Levo muita coisa, principalmente a Educação, pois nós indígenas não temos a escrita. Hoje em dia tem porque pegamos do homem branco. Antes era tudo oralmente. Agora podemos escrever nossas línguas e nossas histórias.

O que tem de igual aqui e na sua tribo? Acho bem parecido o cuidado com os filhos, mas a diferença é que nas aldeias indígenas a criança é de todo mundo, todos cuidam do filho do vizinho, não existe separação. Também observo que muitos brancos gostam do contato com a natureza.

Por quais causas você luta? Têm muitas causas, principalmente a questão das terras, pois elas estão sempre sendo ameaçadas. E também a questão ambiental porque o ser humano precisa se voltar mais para a natureza pois precisamos mais dela do que ela de nós. Precisamos falar dessas causas na sociedade branca. Também luto pela questão do preconceito ao índio e a visão atrasada de que índio é isso e índio é aquilo...

Conhecendo tantas coisas novas, você conseguiria voltar a viver no Xingu? Quando eu estou nas cidades eu fico em comunidades quilombolas, sempre em contato com a natureza. Acho que aprendi a administrar, então consigo me equilibrar bem nos dois lugares, cidade e aldeia.






Com que frequência você viaja para a sua tribo? 
Normalmente duas vezes por ano. Fico mais ou menos uns dois meses cuidando da aldeia. Gostaria de estar mais vezes com meu povo mas tenho trabalhado bastante, sou uma profissional liberal. Quero aprimorar mais coisas e tenho que cuidar da minha organização. A minha renda vem do meu trabalho, não é muito, mas é o suficiente  para a minha sobrevivência.

Antes de se mudar, o que você sabia sobre São Paulo? Em 2.000 nós já tínhamos televisão, então eu já tinha visto algo da cidade e ficava impressionada, pensando que um dia eu iria conhecê-la.

Você se sente estrangeira em seu próprio país? Não, mas me confundem muito com coreanos, japoneses e outros orientais. A pessoas não sabem identificar uma fisionomia indígena, ainda mais que ando com roupas normais. Só quando me pinto e coloco meus adereços que eles reconhecem minha etnia. Eu não fico triste, acho graça até, pois percebo que o tratamento muda quando pensam que sou de outro país. (risos)




Sofre bullying? Sofri na adolescência, hoje se alguém me tratar mal ou falar mal do índio nas redes sociais eu ignoro. Recebo alguns comentários maldosos quando posto vídeos sobre política, mas é só. Normalmente recebo mais palavras de carinho.

Você é tímida? Olha, eu já fui muito tímida. (risos)
Principalmente na adolescência pois os outros alunos não tinham contato com o índio então me olhavam diferente. Eu sentia essa discriminação e isso fazia com que ficasse mais tímida ainda e com medo ao mesmo tempo. Depois passei a lidar com isso e a vencer a timidez.




Como é a Ysani mulher? Sou uma mistura de tudo um pouco, criança, adulta e velha. Eu diria que tenho todas as energias.

É muito vaidosa? Eu diria que fui muito vaidosa entre os 20 e 22 anos. Nessa época usava muita maquiagem, salto alto, roupas, essas coisas... mas hoje eu vejo que isso não me acrescenta nada, não uso mais, fico mais ao natural, como na aldeia.

Na sua percepção, quais as diferenças da mulher indígena para a mulher branca? Tem muita diferença... a mulher indígena faz quase os mesmos trabalhos que os homens da aldeia fazem. Não tem muitas limitações quanto ao trabalho masculino e feminino. Na cidade eu vejo essa diferença, trabalho de homem e trabalho de mulher.

Qual o papel da mulher na sociedade indígena? Estar ligada a casa, espiritualidade e política da aldeia. Porque a mulher é a base de tudo. Esse é o verdadeiro papel da mulher.

O que você acredita não conseguir viver mais sem?
Essa pergunta é boa.(risos) Olha, depois que eu tive esse contato com o mundo branco, não vivo mais sem tecnologia. O meu celular por exemplo, uso para tudo, ouvir música, trabalho, estar em contato com família e amigos. É minha companhia perfeita.










Há muitos mitos em relação aos indígenas... Sim e 
um dos maiores mitos é a visão de que índio não tem malícia. Ele é um ser humano como outro qualquer, têm pessoas boas e outras ruins. Outro grande mito é a de que todo índio tem cabelo liso, existe índio com cabelo cacheado também. Nem todos os indígenas têm a mesma cultura, língua, costumes. O que me incomoda bastante é dizer que os europeus foram os descobridores do Brasil... esse é o maior mito da história brasileira...ele foi invadido na verdade.

A tribo Kalapalo te considera uma heroína? Eu acho que não, teria que perguntar,mas não seria bem vista se perguntasse isso. 

Quem é sua inspiração? Tem muita gente em diferentes categorias. A Malala (Yousafzai, ativista paquistanesa) é uma guerreira. Profissionalmente me inspiro em Bel Pesce (palestrante, escritora, investidora e empreendedora) e no Enrico (Rocha, empreendedor digital). Também me inspiro em minha tia- avó Diacuí kalapalo que foi a primeira pessoa de nossa aldeia a se relacionar com um homem branco, quebrando muitos paradigmas.

Passando por tantas situações e conhecendo os dois lados de culturas distintas, qual a maior lição aprendida? Talvez seja respeitar as diferentes opiniões, as culturas diversas e saber lidar com a energia da cidade e da aldeia.

O que te deixa com raiva? Injustiça




Após tantas conquistas, ainda existe um maior sonho a ser conquistado? Tenho tantos sonhos... mas acho que seria o índio ter um espaço na política, onde pudesse falar.

A escola de samba carioca Imperatriz leopoldinense homenageia os indígenas nesse carnaval 2017 com o enredo "Xingu, O Clamor que vem da Floresta" ... Pois é... e eu estarei lá junto da escola. Achei linda a homenagem, me senti honrada e grata pelo convite.




Qual mensagem você quer deixar para os leitores do blog? Viva a sua vida sem atrapalhar a dos outros. Essa vida que estamos vivendo é agora, então não perca tempo com coisas fúteis, busque a espiritualidade pois é através dela que a gente se encontra com o nosso eu.





"Quando se está em paz consigo mesmo também se está em paz com os outros. Paz e amor."







28 comentários:

  1. Legal Marta essa reportagem, me fez lembrar de quando era criança,eu gostava de assistir muito documentários sobre os índios do Xingu.Eles tinham um ritual de dança com a música tocada no bambu,e era bem interessante.Fora os outros costumes da tribo também como a pesca e a caça ,e o convívio deles em geral.

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    1. Fico feliz que tenha gostado! Os indígenas são fascinantes mesmo!

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  2. Excelente artigo Marta.
    Parabéns!
    Ass. Gabriel

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  3. Parabéns, Martinha! Tal assunto merece destaque e mais aprofudamento no âmbito educacional.

    Beijos Kamilla.

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  4. Ótima reportagem Marta, adorei! 😘

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  5. Adorei a matéria!!! Muito interessante.

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  6. Parabéns!
    Amei seu artigo.
    Sucesso querida.
    Você merece muito mais.
    ��

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  7. Amiga linda parabéns pelo belo trabalho. Artigo mais que maravilhoso. Muito interessante e gostoso de ler!! Arrasou!! Sucesso amiga..

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  8. Parabéns pelo artigo. Fascinante.

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  9. Ahhh... que linda a Ysani!!!
    Adoro essa guria. Saudades dela!
    Muito boa a entrevista ❤

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  10. É MINHA GRANDE AMIGA TIVE O GRANDE PREVILÉGIO DE VER ELA PESSOALMENTE QUANDO PASSEI POR BRASILIA E ESTA PARENTE MIM AJUDOU COM UM POUCO MAIS MIM AJUDOU E JAMAIS IREI ESQUEÇER CERTO? ELA AJUDOU UM INDIO PAGÉ TUPINAMBÁ UM REMANESCENTE TUPINAMBÁ JAGUARI OK? O MEU DESEJO DE CORAÇÄO É QUE DEUS TUPÄ E TODAS AS HERARQUIAS DO BEM POSSA PROTEGER AJUDAR LIVRAR ELA DE TODO O MAL JUNTAMENTE COM TODOS OS FAMILIARES E DIGO AVANTE SEMPRE AVANTE MINHA GRANDE AMIGA ISANY AWETI KALAPALO OK?

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  11. Você é sensacional colega,parabéns garra no trabalho desenvolvido que tens feito
    divulgando a cultura indígina pelo nosso País,você é fantástica.

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  12. Obrigada, Clodoaldo. Creio que negar a cultura indígena é negar nossas raízes. Temos muito a aprender com eles. Abraços!

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