terça-feira, 7 de março de 2017

Alice Kohler - daqui, dali, de todo lugar

A primeira coisa que me vem à cabeça quando ouço a palavra fotografia é Alice Kohler. É tão natural quanto respirar, desde que vi pela primeira vez suas imagens. Em todas havia o mesmo olhar.
Não foi fácil encontrá-la, não por ser inacessível, mas como está sempre viajando, a fotógrafa é daqui, dali, do mundo.
Nascida em Blumenau, Santa Catarina, filha de pai médico e de mãe professora, Alice veio para o Rio de Janeiro aos dois anos de idade. Sempre viajou muito com a família para lugares exóticos do Brasil e depois com o esporte aos 11 anos de idade, teve a oportunidade de conhecer o mundo.
Formada em Educação Física, trabalhava como professora de natação, inaugurou o Marina Barra Club, trabalhava no Clube Naval e depois começou a aparecer naturalmente viagens para levar os atletas, intercâmbios entre clubes, natação nos estados Unidos. Nesse período Alice começou a trabalhar com turismo e esporte ao mesmo tempo. 
Por vinte anos foi diretora de saltos ornamentais, participando de três Olimpíadas, quatro Jogos Pan-Americanos, Campeonato Mundial juvenil do Brasil, tornando-se uma realizadora de eventos esportivos.
Alice Kohler revela que sua vida tomou outro rumo após o falecimento de seu marido, vítima de um câncer fulminante. 
Embora já tivesse tido contato com os indígenas em um evento esportivo em Belém do Pará, foi a partir dali que começou a direcionar sua energia para trabalhos sociais com essas etnias, esses povos que estavam precisando, e segundo suas palavras"foi o começo de uma grande viagem".



Como surgiu o seu interesse por fotografia?
Eu sempre achei muito interessante esse momento de congelar a imagem da história e ficar registrada para sempre.Meu pai tinha uma câmera fotográfica muito boa, eu mexia desde criança, tive esse contato com equipamento fotográfico desde cedo. Aos 17 anos, num intercâmbio nos Estados Unidos, uma das disciplinas era fotografia, me apaixonei.
O que você mais gosta de fotografar?
Pessoas, adoro fotografar as expressões, os olhares... me dá muito prazer! Também gosto de fotografar bichinhos, coisas que  gente não vê a olho nu. Adoro ficar futucando e achando natureza escondida.



Por que fotógrafa da natureza?
Eu não escolhi ser fotógrafa da natureza, aconteceu. É o que me interessa, o que me dá prazer, então eu fotografo.
O que você não gosta de fotografar?
Violência, guerra, morte. Mas se precisar eu registro. Já fotografei um conflito de uns povos no Quênia... mas não gosto.
O que te inspira?
O ser humano, o olhar, a pureza do ser, a natureza em si. Há uma relação minha com o ser que eu estou fotografando e quando eu consigo registrar esse momento é uma grande felicidade.



 Você tem algum ritual antes de fotografar?
Não, eu não tenho nenhum ritual, mas o assunto tem que me interessar, estar com tempo e tranquila, sem nada na minha cabeça que me preocupe.
Dos lugares e povos que conheceu, qual foi o mais marcante?
Eu viajei pra muitos lugares interessantes. Eu fiz uma viagem para o Rajastão, no deserto da India há trinta e poucos dias que foi maravilhosa... Visitando templos, lugares de difícil acesso. Uma grande viagem! E os índios e as aldeias também. Na África eu conheci um povo nômade chamado Himba que nunca tomou banho na vida. Fazem a higiene misturando um óleo de animal com uma pedra e esfoliam o corpo. As partes íntimas eles defumam com cipó de mato cheiroso. Não usam água para nada, bebem leite somente. Convivi numa lagoa no Benim onde o povo vive há duzentos anos sem ter contato com pessoas de fora. Conhecer povos que quase ninguém conhece  a língua, culturas, comidas, vidas e valores completamente diferentes da nossa, pra mim é muito marcante.



Você tem uma história com os indígenas...
Sim. Eu os conheci durante os Jogos Indígenas e comecei o trabalho com essas etnias, esses povos que estavam precisando. Eu já fotografava e comecei a conhecer pessoas que já subiam o rio pra fazer Médicos Sem Fronteira. Conheci fundações e fomos juntando pessoas que me ajudavam com material esportivo, com doações de fraldas e quando eu vi já estava envolvida até o pescoço, feliz da vida. Como eu estava sempre viajando e fotografando começaram a me convidar para fazer exposições pelo Brasil e no exterior também.



Como é sua rotina de trabalho?
Normalmente eu fico muito no computador tratando e editando as fotos, mas depende de onde eu estou. Geralmente quando estou fotografando com os índios eu passo o dia inteiro com a câmera debaixo do braço pra registrar o que tá acontecendo.
Se sente à vontade no Xingu?
Eu me sinto super à vontade! Mas é claro que existem bichos peçonhentos, grandes, um calor danado, mosquito pra caramba, então a gente tem que se cuidar, tem que ficar ligado, de sapato, protetor solar e em tudo que está em volta, muita aranha, muita cobra, onça... Mas eu me sinto em casa.



Fale um pouco do seu trabalho lá.
Trabalho com esporte, com Educação Física, levo material esportivo, organizo eventos, jogos de futebol, psicomotricidade com as crianças, brincadeiras. Às vezes ajudo na enfermaria, na escolinha.
Se sente reconhecida?
Embora eu não faça o meu trabalho para ser reconhecida, eu acho que sou sim. Eles sempre me convidam para voltar, sempre perguntam quando eu volto, ficam felizes quando me veem, sempre tentam mandar notícias e eu também sempre tento dar um retorno. É um trabalho muito gratificante.



Qual o lugar mais estranho que você já fotografou?
Lugar estranho é onde eu mais fui. No Benim( África) eu fui em um lugar de vodu, de religião e lugar onde branco não participa, era muito estranho. Na India dormi no meio de um deserto com bafo de camelo na minha cara, templo onde as pessoas davam comida para os ratos... Na China eu vi pessoas trabalhando como escravas. No deserto da Austrália com muitos animais peçonhentos. No Piauí há pouquíssimos anos atrás vi escravos, pessoas trabalhando para coronéis;Visitei quilombos fechados, escondidos, onde poucas pessoas já foram. Enfim, fotografei muitos lugares estranhos no planeta.



O que você almeja passar com suas imagens?
O sentimento e a humanidade.
Como se analisa uma fotografia?
Quando você olha para uma fotografia ela tem que te impactar. Se ela não te impactou é porque não te disse nada. E a fotografia você tem que centralizar e dependendo tem o corte, tem o fundo que geralmente é claro, tem que ser uma coisa limpa, que você entenda o que está vendo, o que está lendo.
Como se reconhece um bom fotógrafo?
É aquele que transmite o que você espera daquela fotografia, que consegue atingir a alma do papel, do que você está vendo... Além de ter técnica, conhecimento, sensibilidade e olhar. Fotografia é muito olhar. Se a pessoa não tem olhar, não acontece.



Quais as dicas para quem tá iniciando na fotografia?
Fotografe(risos). Você só aprende fotografando. Leia o manual da câmera e experimente todas as possibilidades.
Pretende escrever um livro?
Pretendo fazer um livro de fotografias. Isso é um dos grandes projetos que eu tenho.





Viajando tanto, você já viu coisas muito curiosas...
Sim. As regras de cada sociedade, de cada cultura são muito curiosas. Conviver com essa diversidade completamente diferente da sua, o que não é certo pra gente, na outra é normal, é natural. Como se cria uma criança numa aldeia indígena, na África, o que eles comem, como eles vivem e como o ser humano suporta viver sem nada e como ele também almeja viver com muito... Sabe, a vida das pessoas no planeta, nas sociedades distintas me interessa e me chama muito a atenção.






Qual a comida mais estranha que já viu?
Já vi muitas comidas estranhas, olho e bico de pássaros, cobra, cachorro...muita coisa exótica no planeta. Eu passo fome, não consigo comer. Comi no Japão uma mousse de chá verde folheada a ouro que não me fez muito bem(risos).
Se sente realizada?
Sim, me sinto super realizada, adoro o que eu faço, mas ainda não está terminado.



Quais são os seus sonhos e projetos?
Eu tenho um projeto de exposição no Peru, na Inglaterra, no Rio de janeiro, Suíça, França... Uma grande exposição focando os povos que vivem nas redondezas do Belo monte e do Belo Sun. Outro projeto é uma exposição no Centro Cultural Justiça Federal em abril sobre os povos da África. O meu sonho é ter saúde e luz para continuar fazendo esse trabalho que adoro, continuar viajando para esses lugares, conhecendo mais povos diferentes e registrando... Eu viajo e as pessoas viajam comigo.




E que esse sonho se realize para que possamos continuar viajando com ela.

8 comentários:

  1. Adorei a reportagem! Que história de vida mais encantadora.
    Beijos.

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  2. Interessante a estória de vida dela, muito humilde e apesar de já ter viajado muito e conhecido diversos lugares, dá para observar que ela procura focar no lado humano das pessoas,nada de muito luxo pura simplicidade. Ficou ótima a entrevista!

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    1. Obrigada, Conceição! Realmente o trabalho da Alice é com o coração e ela passa essa energia boa pra gente né. Bjs 💋

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  3. Muito bacana, ela faz o que gosta e gosta do que faz.

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    1. Verdade! Acredito que aí está o segredo do seu sucesso.
      Bjs 💋

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  4. Show de bola Marta !!! A história é muito interessante e nos permite imaginar e viajar. Quando fazemos aquilo que gostamos, temos êxito em nosso trabalho. Parabéns pela matéria !!

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